27 de junho - Cirilo de Alexandria, 444
Doutor da Igreja e Padre Grego, este Patriarca (ou
Bispo) de Alexandria também tem os títulos de 'Pilar da Fé' e 'Selo dos Padres', pela iluminada defesa
que fazia das decisões tomadas nos Concílios, demostrando grande amor à Sagrada Tradição.
Era sobrinho de Teófilo,
também Patriarca de Alexandria, que desde cedo cuidou de oferecer-lhe a mais
apurada educação, clássica e teológica. E é muito provável que tenha vivido em
algum monastério, o que se deduz tanto por indicações documentais como pela importância
que essas instituições tinham para a religiosidade cristã ao seu tempo,
principalmente entre os egípcios.
Aos 28 anos, em 403, foi
ordenado leitor em Alexandria, para auxiliar seu tio, e começou a desempenhar
funções cada vez mais importantes na hierarquia da Igreja. No mesmo ano
viajou com ele para Constantinopla, então a sede do Império Romano, onde foi
realizado o Sínodo do Carvalho para por fim à heresia dos seguidores de Orígenes,
defensor da teoria da apocatástase, segundo a qual o Verbo seria distinto
do Cristo, isto é, Jesus
não seria perfeitamente igual ao Pai, rompendo assim com a noção da Santíssima Trindade.
Também defendiam que até aqueles que estão no inferno seriam redimidos num capítulo
final posterior ao Apocalipse, numa
restauração de todas coisas em sua absoluta unidade com Deus.
Esse Sínodo, porém, também
resultou no afastamento de São João Crisóstomo do
patriarcado do Constantinopla, injustamente acusado de origenista e de dar
abrigo a estes heresiarcas. Este Santo, em sua peculiar resignação, sequer
atendeu às convocações para defender-se, pois sabia que confessos adversários
seriam seus juízes, como Severiano de Gabala, o promotor das acusações, a quem
São João Crisóstomo havia banido de Constantinopla por conspiração. Levado
pelas aparências, São Cirilo acabou apoiando esta decisão do Sínodo, mas em 417
iria desfazer tal injustiça numa intensa troca de correspondência com São João
Crisóstomo, inclusive citando seus escritos em vários sermões por considerá-los
a mais perfeita Ortodoxia Católica.
Após a morte de seu tio, São
Cirilo foi eleito Patriarca de Alexandria em uma conturbada disputa, e acabou
assumindo responsabilidades que iam além de suas funções na Igreja. Delegou os
serviços de caridade aos 'parabolani', membros de uma então já secular
fraternidade católica que se haviam comprometido de cuidar dos doentes e
enterrar os mortos por ocasião da grande praga de Alexandria, ocorrida na
segunda metade do século III. Esse nome significava que eles tinha uma fé digna
das parábolas de Jesus, capazes de exposição a contagiosas doenças sem nenhum
temor.
UMA CIDADE EM CONVULSÕES
São Cirilo retomou para
a Igreja várias
comunidades administradas pelos novacianistas, que era outra heresia,
expulsando-os de Alexandria. Esse grupo isolacionista, auto-intitulado
'puritanos', era seguidor das teses de Novaciano, um padre do século III que
aceitou ser irregularmente eleito Papa em oposição ao Papa Cornélio,
tornando-se o primeiro antipapa. Ele teimosamente divulgava que aqueles que
renegaram a fé e prestaram culto aos deuses pagãos durante as perseguições
comandadas pelo imperador Décio, no ano de 250, não mereciam ser mais uma vez
perdoados, pois teriam desonrado o sangue dos mártires.
Além de cristãos e pagãos,
Alexandria era habitada por judeus, que desde o século III antes de Cristo já haviam feito dela sua principal
referência econômica e intelectual. Eram, portanto, parte tradicional dessa
sociedade, onde tinham um expressivo número de habitantes e por alguns séculos
já gozavam de oficiais privilégios, previstos em leis.
Durante uma de suas
festividades, porém, eles acusaram Hierax, um exaltado monge católico, íntimo
de São Cirilo, de incitar os cristãos em tumultos contra si, e por isso
Orestes, prefeito do Egito que invejava a grande influência do Santo Patriarca
e de outros bispos, inflamado pelos judeus, prendeu, torturou e em público
executou este monge.
São Cirilo reagiu
contundentemente: promoveu um encontro com os principais dos judeus e acusou-os
de assassinato. Como resposta, raivosos judeus provocaram uma noite de matança
de cristãos, atraindo-os aos gritos para uma grande igreja, fazendo alarde de
que havia um princípio de incêndio. Temendo uma violenta reação da parte dos
cristãos, nosso Patriarca lançou mão de sua autoridade e resolveu expulsar
muitos dos judeus da cidade.
Realmente não era fácil
controlar as várias facções cristãs dessa grande metrópole, menor apenas que
Roma e Constantinopla. E como Orestes recorreu ao imperador contra a expulsão
dos judeus, alguns monges nitrianos apedrejaram sua comitiva, acusando-o de
paganismo e ferindo-lhe na cabeça. Amônio, o monge que o teria atingido, foi
capturado e também torturado até a morte, mas Cirilo mandou que recolhessem seu
cadáver e, em consideração ao seu histórico, tratou-o como mártir, o que
provocou novos atritos com o prefeito.
Grupos cristãos também se
dividiam em relação ao comportamento de uma filósofa neoplatonista, Hipátia,
que professava ateísmo e,
supostamente, estaria influenciando as decisões de Orestes, seu ex-aluno. Entre
as convulsões que aconteciam na cidade, ela foi assassinada por radicais
cristãos, comandados por Pedro, leitor da Igreja de Alexandria, portanto uma
pessoa do círculo de São Cirilo, mas que não teve seu apoio, pois nosso Santo
já tentava refazer as relações com o prefeito desde a expulsão dos judeus e
nunca havia visto problema no comportamento desta estudiosa.
O CONCÍLIO DE ÉFESO
A maior realização de São
Cirilo talvez tenha sido sua decisiva participação no Primeiro Concílio de
Éfeso, em 431, onde ele resistiu e derrotou outra corrente herética, esta
comandada por Nestório, Patriarca de Constantinopla, que dizia que Nossa
Senhora não seria 'Mãe de Deus', mas apenas 'Mãe de Cristo', pois não reconhecia a natureza divina de Jesus, apenas a humana. E como prova do espírito conciliador
de nosso Santo Patriarca, temos as cartas que ele já lhe endereçava anos antes,
tentando demonstrar-lhe a verdadeira Doutrina Cristológica: "Afirmamos,
assim, que são diferentes as naturezas que se reuniram numa verdadeira unidade,
mas de ambas derivou um único Cristo e Filho, não por ter sido eliminada por
causa da unidade a diferença das naturezas, mas sobretudo porque a divindade e
a humanidade, reunidas em indizível e inenarrável união, produziram para nós o
único Senhor, Cristo e Filho."
Mas a troca de
correspondência de São Cirilo e Nestório com o Papa Celestino I, sobre este
assunto, já havia levado o Sumo Pontífice a pronunciar-se a favor de São
Cirilo, concedendo-lhe direitos para cassar o episcopado de Nestório e
prescrever-lhe arrependimento e penitência.
O Imperador Teodósio II, no
entanto, que por vizinhança era mais inclinado ao patriarcado de
Constantinopla, convocou, por certo a pedido de Nestório, o Concílio de Éfeso
para resolver a questão. E por astúcia, Nestório foi o primeiro a chegar,
embora não tenha conseguido amealhar o apoio nem do povo nem de Menon, bispo da
cidade, que se regia pela decisão do Papa e por isso aguardava a chegada de São
Cirilo com todas igrejas de portas fechadas, para evitar que Nestório tentasse
difundir suas ideias, como de fato tentou.
Ao chegar, já contando com a
presença de duzentos bispos e visando resolver o impasse para acalmar a cidade,
São Cirilo iniciou o Concílio antes da chegada de João de Antioquia, que era a
quarta cidade mais importante à época, e também antes da chegada dos
representantes do Papa e demais bispos do Leste, pois deles já tinha apoio e a
viagem poderia durar várias semanas. Invocando meras formalidades, o
representante do imperador e outros bispos reclamaram, e por isso foram
excluídos do Concílio. Quanto a Nestório, recusou-se a comparecer mesmo após o
envio de quatro bispos para convocá-lo, aos quais sequer recebeu. Sem
opositores, a decisão foi unânime, aceitando as cartas de São Cirilo como de
acordo com os Concílios e com os Padres da Igreja. A Nestório, por fim, foram
declaradas a deposição e a excomunhão.
Com a chegada de João de
Antioquia, ele reuniu-se com Nestório e Candidiano, que representava o
imperador, e declararam em 'outro concílio' a condenação de São Cirilo e Menon.
Estes, no uso de suas autoridades, responderam de imediato com a deposição
também de João de Antioquia. Assim a cidade tornou-se cenário de violentos
conflitos, pois Candidiano tentou à força reabrir as igrejas, usando as tropas
imperiais, mas acabou não conseguindo por resistência da própria população.
Teodósio II, que era cristão
desde o seio de sua família, tentou reunir representantes dos dois lados, num
local próximo à cidade, mas, como nenhum deles cedia, o imperador ameaçou depôr
João, Menon e São Cirilo, e deteve-os sob sua custódia, aguardando que se
entendessem.
Com a chegada do Legado
Papal, porém, corroborando as condenações contra Nestório e inocentando São
Cirilo, Teodósio II libertou-o, como também a Menon e a João de Antioquia para
que enfim pudessem retornar a seus patriarcados. Dois anos depois, João de
Antioquia chegou a um acordo com São Cirilo, e Nestório, que não voltava atrás
em suas posições, foi condenado ao exílio.
Enfim, com a morte do Papa
Celestino I, em 432, Sisto III foi eleito, confirmou a decisão do Concílio
Éfeso e fez com que João de Antioquia voltasse a relacionar-se com o Santo
Patriarca de Alexandria.
São Cirilo escreveu profusamente, entre cartas, sermões e tratados
doutrinários, e dentre estes elogiáveis defesas da trinitária fé. Fez
importantes comentários a muitos sagrados livros, como todo Pentateuco, Isaías,
os Salmos e os Evangelhos de São João e de São Lucas. Exemplo de
absoluta fidelidade à Ortodoxia Católica, ele evocava com frequência a obra
de Santo Atanásio. São de seus textos:
"Meu maior anseio é trabalhar, viver e morrer pela fé em Cristo."
"Propus-me afrontar
qualquer trabalho pela fé em Cristo, suportar quaisquer tormentos,
até mesmo os que se enumeram entre os mais graves suplícios, a ponto de
aceitar, enfim, com agrado, a morte por esta causa."
"Portanto, não me
comove nenhuma injúria, nenhum ultraje ou afronta… Apenas importa que a fé se
conserve íntegra e salva."
"Pois se temermos
pregar a Verdade pela Glória de Deus, para não
sofrermos algum incômodo, pergunto: de que modo celebraremos diante do povo os
combates e triunfos dos santos mártires?"
"Isto é importante:
Deus é eterno, nasceu de uma mulher e conosco permanece todos dias. Vivemos com
esta confiança, e nela encontramos o caminho de nossa vida."
"Realmente, se Nosso Senhor Jesus Cristo é Deus, porque
motivo não pode ser chamada de Mãe de Deus a
Santíssima Virgem que O gerou?"
"Salve, ó Maria, Mãe de Deus,
Virgem e Mãe, Estrela e Vaso de Eleição! Salve, Maria, Virgem, Mãe e Serva:
Virgem, na verdade, por virtude d'Aquele que nasceu de ti; mãe por virtude
d'Aquele que cobriste com panos e nutriste em teu seio; serva, por Aquele que
amou de servo a forma! Como Rei, quis entrar em tua cidade, em teu seio, e
saiu quando Lhe aprouve, para sempre cerrando Sua porta, porque concebeste sem
concurso de varão, e foi divino teu parto."
"Por ti (Maria), os
Apóstolos pregaram aos povos a doutrina da Salvação; por ti, a Santa Cruz é
louvada e adorada no mundo inteiro; por ti, os demônios são
afugentados e o homem chamado de novo ao Céu; por ti, toda criatura, detida pelos erros
da idolatria, é reconduzida ao conhecimento da Verdade; por ti, os fiéis chegaram ao Batismo, e em toda parte
do mundo foram fundadas igrejas."
Cristo “forma-nos à Sua imagem,
de modo a fazer brilhar em nós os traços de Sua divina natureza, mediante a santificação,
a justiça, e a retidão de
uma vida conforme à virtude... Assim, a beleza desta
incomparável imagem resplandece em nós, que estamos em
Cristo, e revelamo-nos pessoas de bem por nossas obras."
"De fato, é plenitude
de qualquer bem que Deus habite entre nós através do Espírito."
"O Salvador chama Água a Graça do Espirito Santo, e se alguém d'Ele
participar, terá em si mesmo a nascente dos divinos ensinamentos, de forma que
não terá mais necessidade de conselhos dos outros, e poderá exortar todos que
tem sede da Palavra de Deus."
"Jesus chama Água Viva o vivificante dom do Espirito,
o único através do qual a humanidade, apesar de ter sido completamente
abandonada, como os troncos nos montes, seca e privada de todas as espécies de
virtudes, devido às insídias do diabo, é restituída à
antiga beleza da natureza..."
"Assim como a raiz
faz chegar aos ramos sua natural seiva, também o Unigênito de Deus concede aos
homens, sobretudo aos que Lhes estão unidos pela fé, Seu
Espírito. Ele conduz-lo à perfeita santidade, comunica-lhes a afinidade
e parentesco com Sua natureza e a do Pai, alimenta-os na piedade e dá-lhes a Sabedoria de toda virtude e
bondade."
"De fato, o mistério de Cristo corre
o risco de ser desacreditado precisamente porque é incrivelmente
maravilhoso."
"É recebendo o Corpo de Cristo, que recebemos a força da
unidade com Deus, e de uns com os outros."
"Como dois pedaços de
vela fundidos formam um, então aquele que recebe a Sagrada Comunhão está tão unido a Cristo que
Cristo está nele e ele está em Cristo."
"Aquele que recebe a
Comunhão é santificado e divinizado na alma e no corpo, da mesma forma que a
água, colocada sobre o fogo, torna-se fervente... A Comunhão funciona como
levedura que foi misturada em massa para que levede toda massa..."
"O Corpo de Cristo dá
a Vida a todos que
dele participam; repele a morte dos que a Ele estão sujeitos e libertá-los-á da
corrupção, porque em Si mesmo possui a força que a elimina plenamente."
"Assim que Cristo
entra em nós com Sua própria Carne, nós revivemos inteiramente; é inconcebível
ou, mais ainda, impossível, que a Vida não faça viver aqueles nos quais Se
introduziu. Tal como se cobre um ardente tição com um monte de palha, para
manter intacto o germe do fogo, assim Nosso Senhor Jesus Cristo esconde a Vida
em nós por Sua própria Carne, e aí coloca como que uma semente de imortalidade,
que afasta toda corrupção que trazemos em nós."
"Toda nossa vida é
uma primavera, porque em nós temos a Verdade que não envelhece. E essa Verdade
anima toda nossa caminhada."
"É como empregar uma
pequena ferramenta em grandes construções, se usarmos a sabedoria humana na
busca pelo conhecimento da realidade."
"Concedei-nos a Paz, ó Senhor. Então admitiremos que tudo
possuímos, e parecê-nos-á que nada falta àquele que recebeu a plenitude de
Cristo."
"Nosso Salvador foi
ao banquete de casamento para santificar as origens da vida humana."
"Convém que tenhamos
os mesmos sentimentos uns para com os outros; se um membro sofre, todos membros
sofrem com ele; se um membro é honrado, os demais se alegrem com ele."
Morreu em 444, aos 69 anos,
após 32 anos à frente do patriarcado da revoltosa Alexandria.
São Cirilo de Alexandria, rogai por nós!
Fonte: https://yosheh.blogspot.com/2012/06/sao-cirilo-de-alexandria.html
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