A NOBRE FAMÍLIA DE SANTA CLARA DE ASSIS
GEMMA FORTINI
Pouco se sabe sobre a famÄlia de Santa Clara de Assis. O que Å conhecido estÇ na Legenda de Santa Clara Virgem, escrita por TomÇs de Celano, e no Processo de CanonizaÉÑo.1
A razÑo desse silÖncio sobre a famosa linhagem nobre de Clara estÇ no desejo dela mesma. Benvinda de Perusa, que seguiu a Santa no convento no mesmo ano de sua conversÑo, diz o seguinte: “Dona Clara nÑo queria falar de coisas seculares, nem queria que as IrmÑs as lembrassem”.2 Mas chegaram informaÉàes bÇsicas atÅ nâs para nos ajudar a estabelecer os fatos a respeito de sua famÄlia. Clara nasceu em Assis em 1193, e morreu na mesma cidade em 1253, aos sessenta anos.
Sobre ela se escreveu: “a Virgem Clara era de nobre nascimento”; “seu pai, messer Favarone, era nobre, grande e poderoso na cidade, ele e os outros de sua casa”; “Clara era da mais nobre parentela de toda a cidade de Assis, do lado do pai e da mÑe”; “seu pai era militar, e a famÄlia, de cavaleiros, dos dois lados.” Favarone, seu pai, era, portanto, miles, isto Å, um cavaleiro feudal 3, capaz de combater a cavalo e de perseguir bandos de inimigos de espada em riste. TambÅm estÇ escrito: “A casa era muito grande e continha vastas riquezas herdadas pela famÄlia de seu pai.”4
Com nossas recentes descobertas, podemos afirmar que a famÄlia de Clara era de ascendÖncia germänica, procedente da uniÑo de francos com lombardos. Deduzimos isso de um valioso volume do sec. XVII que apresenta dados sobre muitas famÄlias nobres da ItÇlia. Tentamos comparar os nomes e os perÄodos histâricos citados no texto com os documentos encontrados em Assis. 5
De acordo com os Atos de Assis, o ancestral mais distante de Clara foi Offredo, que viveu em Assis em 1106, com seus filhos Bernardo e Monaldo, sendo que este ãltimo era chamado “comes,” isto Å, “conde”. 6Pesquisamos mais para trÇs e descobrimos que essa famÄlia era muito poderosa em toda a ItÇlia central, de que fazia parte o Ducado de Espoleto.
Offredo teve como irmÑos Suppolino, Barone e Monaldo. De acordo com o texto que consultamos, esses eram os nomes dos filhos do Conde Rapizone II, filho de CrescÖncio, que, por sua vez, era filho de Rapizone I. 7
A histâria Å a seguinte: em 1057 Goffredo, duque da Toscana, padrasto da Condessa Matilde de Canossa, chamado Rapizone I, era Conde de Todi, uma cidade situada a poucos quilåmetros de Assis. Em Assis existe um documento pelo qual Cristo, um padre, filho de Rapizone I, doou dois lotes de suas terras para a Catedral de Assis. 8
“Rapizone” era sem dãvida um apelido que o povo costumava aplicar a todos que sabiam como se defender dos infiÅis. De fato, no Morgante de Pulci, o autor diz sobre o Paladino Orlando que estava combatendo os sarracenos: “ele os liquidava um por um; felizes dos que conseguiam escapar, porque todos os outros eram cortados como nabos (come rape).” 9
Na çmbria do sec. XI dois ramos diferentes da famÄlia dominavam incontestavelmente, o dos Condes Arnolfi e o dos Condes Attoni. E sua origem Å, entÑo, uma mistura de lombardos e francos que provÅm do sec. IX.
HÇ uma diferenÉa notÇvel entre lombardos e francos, devida aos diferentes costumes e mentalidades: os lombardos eram altos, caladàes, fortes, decididos, e possuÄdos por um arraigado
1TomÇs de Celano, Legenda Sanctae Clarae Virginis, ed. Francesco Pennachi (Assisi: Tipografia Metastasio, 1910); Processo di canonizzazione di s. Chiara, ed. Zefferino Lazzeri, Archivum Franciscanum Historicum, 13 (1920), 401-507 2Processo, 2:10.
3Ibid. 1:4, 19:1; 20:2 no testemunho de PacÄfica de Guelfãcio, Pietro de Damiani e JoÑo Ventura; Legenda, 1. 4Legenda, I. Guido Battelli em Leggenda di Tommaso da Celano (Sancasciano, 1926), 12, traduz “iuxta morem patriae” por “secondo le facolté, della patria”. Acho que o correto seria “secondo i beni paterni.”
5 O texto de sec. XVII Å Anton Francesco Zazzera, Della nobilttÇ dell’Italia (Napoli, 1615).
6Todos os documentos foram publicados por Arnaldo Fortini, Nova vita di s. Francesco (Assisi, 1959); para Offredo, ver II, 328, e o Archivio della Cattedrale di Assisi, Fasc. II, n. 18 and n. 47.
7Zazzera, 307.
8 Archivio, Fasc, 1, n. 109.
9 Niccolè Tommaseo, Dizionario della lingua italiana (Torino, 1929), 63.
1
senso de casta; os francos tinham o dom de assimilar com facilidade e eram mais abertos aos contactos com os outros povos.
Os lombardos, de fato, mantiveram sua lÄngua por sÅculos; deixaram muitas de suas expressàes verbais no dialeto de Assis atÅ hoje. Os francos, por sua vez, absorveram muitos termos latinos em sua lÄngua, talvez por causa de sua uniÑo muito prâxima, espiritual e politicamente, com a Igreja de Roma. Algumas caracterÄsticas desses povos antigos podem ser encontradas em Santa Clara. Sua dignidade, austeridade e forÉa de espÄrito revelam seu temperamento lombardo, como tambÅm caracterÄsticas fÄsicas, como sua estatura alta e seus longos cabelos loiros; mas sua doÉura, mansidÑo, a nobreza de seu espÄrito refinado, refletem sem dãvida nenhuma a realeza hereditÇria do povo franco. Seria longo e provavelmente pesado apresentar aqui a lista de todos os nomes dos que formaram as origens da famÄlia de Santa Clara. Vou me limitar a apresentar alguns fatos que considero importantes para entender melhor, se for possÄvel, a natureza humana da Santa de Assis.
Voltando és origens de sua linhagem, podemos estabelecer que Clara descenda de um senhor feudal muito rico pelo lado de seu pai, chamado Favarone, termo que indicava um homem que se orgulhava de origem real. 10
Favarone, como se pode ver pelos documentos publicados por Arnaldo Fortini, era filho do Conde Ofredãcio de Bernardino, um nobre e poderoso senhor da cidade de Assis, cuja casa era ao lado da catedral. Bernardino era filho de Offredo, como jÇ dissemos, e, em nossa pesquisa, descobrimos que Offredo era filho do conde Rapizone II.11 Esse conde Rapizone II descendia de Taciperticone, como se vÖ no texto de Zazzera. Taciperticone era um nome usado para indicar um homem alto e magro que conhecia a arte do silÖncio.12 No sec. VIII, Taciperticone tinha sido nomeado (por Liutprando, rei dos lombardos) administrador de todos os bens do Ducado de Espoleto, a que pertencia a cidade de Assis.13 Taciperticone tinha trÖs filhos: o Conde Ramone, mestre da cavalaria no Ducado de Espoleto; Taciperga e Helina. Helina ficou viãva pela morte de seu jovem marido Fulgoaldo, um poderoso senhor da Sabina, e se retirou para a vida contemplativa, mesmo como leiga, mas gozando de um atributo tÄpico desse tempo para os que se dedicavam é vida religiosa: “Ego ancilla Domini.” O nome de Perticone, obviamente procedente de Taciperticone, ainda sobrevive no municÄpio de Assis, especialmente na localidade de Castelnuovo, na planÄcie abaixo da cidade. A nobre e orgulhosa famÄlia de Clara nÑo påde suportar sua fuga da casa paterna para seguir a mensagem de amor de SÑo Francisco.
A irmÑ de Clara, Beatriz, que a seguiu na vida de renãncia, constata, no Processo: “SÑo Francisco, conhecendo a fama de sua santidade, foi visitÇ-la muitas vezes para lhe falar, e a virgem Clara concordou com o que ele dizia, renunciou ao mundo e a todas as coisas terrenas e foi servir a Deus... ela vendeu toda a sua heranÉa e parte da heranÉa da testemunha [Beatriz] e deu-a aos pobres. E depois SÑo Francisco cortou seu cabelo diante do altar, na igreja da Virgem Maria, chamada Porciãncula, e a levou para a igreja de SÑo Paulo das Abadessas. Seus parentes quiseram levÇ-la embora, mas dona Clara agarrou as toalhas do altar e descobriu a cabeÉa, mostrando que a tinha raspado, e nÑo consentiu de nenhum modo, nem se deixou arrancar dali, nem levar de volta com eles.” 14 Esse Å o drama da vestição de Clara, visto na rudeza da linguagem do sec. XII, em testemunho de sua decisÑo de seguir a vida de renãncia ao mundo.
HÇ um confronto entre duas geraÉàes: a famÄlia, forte no domÄnio terrestre, querendo defender o costume lombardo segundo o qual a moÉa herdava de acordo com a vontade de seus pais e a jovem de 18 anos que consegue quebrar todos os laÉos com as coisas terrenas. Essa firmeza lombarda da Santa nÑo se perdeu na vida religiosa. Quando o Santo Padre tentou convencÖ-la, por causa de sua saãde, a moderar o rigor da pobreza, Clara reagiu com firmeza e nÑo aceitou o conselho do papa. IrmÑ Felipa, que conviveu com Clara em SÑo DamiÑo, disse o seguinte no Processo: “Nunca påde ser induzida, nem pelo papa nem pelo bispo de êstia a receber posse alguma. E honrava com muita
10 Ibid., 105.
11 Zazzera.
12 Tommaseo, 952.
13 Zazzera, 302.
14 Processo, 12:2-4.
2
reverÖncia o PrivilÅgio da Pobreza, que lhe tinha sido concedido, e o guardava bem e com diligÖncia, temendo que se perdesse.” 15
Ela tinha essa prudÖncia antiga de seus antepassados, que muitas vezes se transformava em silÖncio.
A famÄlia de Clara podia justificar o apelido dado a um de seus descendentes, o de Favarone: vinha de sangue real da FranÉa e mais precisamente de Carlos Magno, como mostra nossa pesquisa. O filho de Carlos Magno, Pepino, tinha constituÄdo seu filho Bernardo herdeiro de seu trono italiano. Bernardo tinha morrido, cegado por ordem de seu tio, o Imperador LuÄs, que, mais tarde, arrependido de seu crime atroz, atravessou toda a FranÉa de pÅs descalÉos, merecendo o apelido “piedoso”. Bernardo, embora fosse jovem quando morreu, tinha deixado um filho na ItÇlia, chamado Pepino, que mais tarde recebeu do papa o encargo de administrar todos os bens da Igreja.
Esse foi o pai do cånsul CesÇrio, do conde Ertemberto de Vermandois, de Pepino e de Bernardo. O conde Ertemberto de Vermandois teve uma parte muito importante na histâria da FranÉa, mantendo Carlos o Simples como prisioneiro no castelo de PeroniÅre, atÅ a morte. Vermandois correspondia é regiÑo da Picardia, de onde tambÅm veio a mÑe de SÑo Francisco, por isso chamada apropriadamente de Pica.
A uniÑo de lombardos com francos na famÄlia de Santa Clara teve lugar provavelmente no tempo do cånsul CesÇrio, que, como notamos, era bisneto de Bernardo, rei da ItÇlia.
De fato, a filha ãnica do cånsul CesÇrio casou-se com o conde Attone, um poderoso senhor da çmbria, como jÇ mencionamos.
Desse casamento nasceu a condessa Gervisa, que teve grandes posses no municÄpio de Assis, como descobrimos em nosso estudo comparativo do texto de Zazzera e dos documentos conservados nos arquivos de Assis.
De acordo com Zazzera, Gervisa tinha deixado para seu filho Oderisio uma grande propriedade chamada Casafortino. Conseguimos descobrir que esse Casafortino Å uma colina acima de Assis, situada na estrada que leva para Cerqua Palmata e daÄ para o vilarejo de Santa Maria de Lignano. O conde Attone, pai de Gervisa, tinha um irmÑo chamado RainÅrio II, que tinha um filho chamado Attone, que foi o pai de Rapizone I, cujo filho CrescÖncio gerou Rapizone II, do qual procederam, como vimos, Offredo, que gerou Bernardino, que por sua vez gerou Offreducio, de quem veio Favarone e depois Santa Clara.
TambÅm se diz que Attone I foi da famÄlia dos Condes Castelli, descendia de Taciperticone, que tinha sido administrador de todas as fortalezas do Ducado de Espoleto. De fato, havia um castelo em seu brasÑo.
A condessa Gervisa, sobrinha de RainÅrio II, que era ancestral de Santa Clara, casara-se em segundas nãpcias com um primo, o conde de Marsi, Reinaldo. Veio daÄ o estreito relacionamento entre os condes lombardos, os Castelli, e os condes de Marsi, que eram de origem franca.
A mÑe da Santa era aparentada com seu marido Favarone, orgulhando-se de ter entre seus ancestrais Attone, irmÑo (pai) da condessa Gervisa.
Pela linha de descendÖncia (apÖndice 1), fica claro que a famÄlia era a mesma, e que Hortolana casou-se com Favarone, seu primo distante.
Descobrimos que Hortolana foi sua descendente porque hÇ uma tradiÉÑo em Assis segundo a qual a mÑe da Santa pertencia é famÄlia dos condes de Fiumi, que tinham em seu brasÑo de armas uma fortaleza com um rio, e Å o mesmo sÄmbolo que descobrimos na famÄlia do Conde Accarino, que possui de fato as nascentes dos rios Nera e Velino.
Como se pode ver pela Çrvore genealâgica, Å evidente que PacÄfica e Bona de Guelfuccio, testemunhas no Processo, eram parentes prâximas de Santa Clara.16
15 Ibid., 3:14.
16 De fato, a comunidade de SÑo DamiÑo incluÄa muitas outras parentes da Santa.
3
Para entender melhor a histâria do perÄodo em que Santa Clara viveu, e para oferecer uma justificaÉÑo fundamentada para os acontecimentos prementes que sucederam nesse tempo, Å preciso focalizar um fato que, embora relevante, nunca foi examinado atÅ agora.
Dos condes de Marsi, que eram relacionados com a famÄlia de Santa Clara pelo lado de sua mÑe, veio o imperador alemÑo Frederico II. Seu avå materno, RogÅrio II, rei da SicÄlia, tinha se casado, em um casamento final, com a condessa Beatriz de Rieti, uma filha do ãltimo conde de Marsi, Offreduccio, que morreu em 1125. A histâria recorda a condessa Beatriz por causa das visàes que ela teve antes do nascimento de sua filha ConstanÉa de Altavilla, pressÇgios que os sÇbios interpretaram como nÑo auspiciosos. Com ela, de fato, o poder normando ficou extinto para sempre.
Preocupada com esse futuro, Beatriz tinha afastado e escondido a crianÉa, que nasceu alguns meses depois da morte do pai, o rei RogÅrio, por causa de intrigas na corte relativas é sucessÑo do trono da ItÇlia. Na realidade, ConstanÉa foi posta em um convento de freiras beneditinas. Quando ainda tinha cerca de trinta anos, ConstanÉa foi removida do convento, como Dante lembra na Divina Comédia, para se tornar esposa do filho do imperador da Alemanha, Barbarroxa, Henrique VI, que mal tinha vinte anos de idade. Foi um casamento polÄtico para unir a coroa imperial alemÑ com o reino normando. A cerimånia foi celebrada com festas solenes na prâpria cidade de Rieti, a cidade da Condessa Beatriz, com toda a nobreza da çmbria, incluindo os condes de Marsi e os condes Castelli, que foram todos convidados.
A crånica recorda assim o acontecimento: “ConstanÉa chegou cercada pela costumeira cerimånia da corte normanda; com ela vieram 150 cavalos, carregados de ouro, prata, pedras preciosas, tecidos de ouro e peles. 17Era uma tradiÉÑo normanda, planejada para deslumbrar o mundo com suas fabulosas riquezas. A mÑe viãva do Rei RogÅrio II, Adelaide, tinha atravessado o mar para encontrar seu novo marido, Balduino, rei de JerusalÅm, levando consigo cinco navios carregados de ouro.
Mas ConstanÉa jÇ nÑo era moÉa e demonstrava a idade por ser doente. Seu tÑo jovem marido Å assim descrito:
“Partilhava com os Hohenstaufens o tipo do gÖnio estadista sâbrio... seu corpo era frÇgil e esquelÅtico... tinha o rosto pÇlido... NinguÅm o via rir... na verdade a dureza era a marca do seu ser, uma dureza de granito, e com ela a reserva rara em um alemÑo. Junte-se a isso uma vontade poderosa, uma paixÑo imensamente forte mas fria como gelo, uma espantosa esperteza e tino polÄtico” 18
Apesar de tudo, nÑo foi um casamento feliz. Dizia-se atÅ que seu filho, Frederico II, era na realidade filho de um outro, talvez de um mÅdico da corte, e que ConstanÉa, simulando o fato, fez passar o filho como dele, para garantir, diante dos amigos polÄticos do marido, um herdeiro seguro para o impÅrio. Frederico II foi batizado em Assis. Nessa cidade viviam os parentes da avâ materna e eles eram muito poderosos. Eram os condes Bonacquisti, que moravam na praÉa principal, em um palÇcio enorme, cujos altos aterros ainda podem ser vistos. 19
Os condes Bonacquisti descendiam do conde Bernardo, chamado “dos doze”; ancestral seu tinha sido o conde Reinaldo, que era um dos doze capitÑes que dirigiram a primeira Cruzada. Num lugar chamado Barcaccia, nÑo muito longe de Assis, conta-se uma histâria sobre o conde Reinaldo. A histâria estÇ nesta nota dos arquivos de Perusa:
“Reinaldo, conde de Coccorano, Biscina, Petroia, Giomici, Peglio, Collalto e Santo EstÖvÑo de Arcelli, um bom e galante cavaleiro, era favorito do rei Eduardo da Inglaterra, lÇ pelo ano 1066 de nosso Senhor. Depois se encontrou com o rei de JerusalÅm, com Godofredo de Bulhàes e Balduino e depois de esteve com esses gloriosos lÄderes, entre os cruzados quando tomaram a Terra Santa em 1090.”20
O conde Reinaldo era de sangue normando e foi por isso que se tornou favorito na corte da Inglaterra: Å sabido que o rei Eduardo, filho de Ema, a normanda, preferia falar francÖs em vez de
17 Francesco Palmegiani, Rieti e la regione sabina (Roma, 1932), 150.
18 Ernst Kantorowicz, Frederich the Second, 1194-1250, trans. E. O. Lorimer (rep. New York, 1957), 7.
19 Fortini, II, 44.
20 Tommaso Rosselli Sassatelli del Turco, La famiglia di s. Chiara, 13. Ver ApÖndice II para o relacionamento dos condes de Marsi com os condes de Castelli.
4
inglÖs e nÑo tinha simpatias pelos seus rudes e incivilizados sãditos. Tinha muita influÖncia na administraÉÑo da Igreja, como tambÅm entre os nobres normandos, bretàes e flamengos. Queria modernizar seu reino, levÇ-lo a uma refinada civilidade usando o exemplo de condes estrangeiros, cuja companhia preferia. 21
Por ocasiÑo do batizado de Frederico II, que tinha nascido no dia 26 de dezembro de 1195, viviam no palÇcio dos condes Bonacquisti os primos de ConstanÉa, que provavelmente tinham conhecimento do misterioso nascimento.
O monge alemÑo Alberto de Stade escreveu o seguinte em sua Crånica:
“Espalhara-se por toda parte o boato de que talvez Frederico nÑo fosse filho verdadeiro do imperador, mas apenas era chamado assim. Dizia-se que isto era o que tinha acontecido: a rainha ConstanÉa, filha do rei da SicÄlia, tinha-se casado com o imperador porque, se o descendente do pai, que reinava na SicÄlia, na Apãlia e na CalÇbria, morresse antes de ConstanÉa, por direito de hereditariedade o reino passaria para ConstanÉa. E se acreditava que ConstanÉa. quando se tornou esposa do imperador, tinha sessenta anos de idade. Por isso temiam que ela nÑo fosse fÅrtil. O imperador vivia pedindo conselhos aos mÅdicos porque, para superar a esterilidade, a senhora precisava ficar grÇvida, nÑo deixando mais o reino da SicÄlia sem herdeiros. Os mÅdicos prometeram ajudar. Deram um jeito de seu ventre ir ficando lentamente maior, de modo que o imperador realmente acreditasse que ela estava esperando um filho. LÇ pela metade do tempo, os mÅdicos cuidaram de arranjar a crianÉa, arrumando uma mulher das redondezas que devia dar é luz no mesmo tempo que ConstanÉa, e a trouxeram caladamente ao palÇcio em que ConstanÉa esperava, para parecer que a crianÉa tinha nascido na cama dela e o filho de um outro se tornasse o filho do imperador e da imperatriz. TambÅm se dizia que o menino era filho de um mÅdico, ou de alguÅm que sabia como tocar um moinho, ou ainda de outro que era perito em caÉar passarinhos. Dizia-se que o menino era certamente filho de um dos trÖs.” 22
Dizia-se tambÅm que ConstanÉa, para convencer a todos os outros de sua maternidade, quis dar é luz o herdeiro imperial em uma enorme tenda apropriadamente montada numa praÉa com a presenÉa dos enviados do papa. No texto de Alberto de Stade tambÅm, se faz referÖncia a um palÇcio; na Idade MÅdia, esse termo indicava a residÖncia da corte imperial. Esse edifÄcio podia estar na prâpria cidade de Assis, porque Alberto de Stade diz claramente: “No ano de 1195, na vÅspera da festa de SÑo JoÑo Evangelista, nasceu um filho para o imperador Henrique VI, no vale de Espoleto, em Assis, e aÄ foi batizado, na presenÉa de quinze bispos e cardeais.” 23
Se o palÇcio imperial estava na Çrea de Assis, e mais precisamente na casa dos condes Bonacquisti, a histâria dos TrÖs Companheiros seria confirmada: “Nessa regiÑo, nesse tempo, nasceram duas crianÉas: uma seria a melhor de todas, a outra, a pior.” 24
O palÇcio dos Bonacquisti fica de fato na contrada da igreja de SÑo Nicolau, e daÄ, descendo pela Via Portica, encontra-se a loja de Pedro de Bernardone, o pai de SÑo Francisco.
Havia treze anos entre SÑo Francisco e o Imperador Frederico II, pois Francisco nascera em 1182; Å um perÄodo curto para um escritor que estÇ se referindo a um passado recente. Se se aceita a versÑo do cuidadoso cronista Alberto de Stade, sobre o drama do nascimento ilegÄtimo de Frederico II, ele deve ter acontecido na cidade de Assis, e nÑo em Iesi, que foi o lugar de nascimento o imperador segundo outras fontes.
O franciscano Frei Salimbene de Parma insistiu na ilegitimidade de Frederico II. Escreveu que, um dia, o rei de JerusalÅm, JoÑo de Brienne, teve uma discussÑo com Frederico, que era marido de sua filha, Yolanda, humilhando-o durante uma partida de xadrez ao dizer: “cala a boca, seu filho de um aÉougueiro.” 25 De acordo com a nossa pesquisa, nos tempos medievais essa frase era usada para
21 Reginaldo Francisco Treberne, Enc. Treccani, XIII, 483.
22 Annales Stadenses, A.D. 1220, in MGH, XVI, 357.
23 Ibid., 352.
24 Legenda S. Francisci Assisiensis Tribus ipsius Sociis Hucusque Adscripta, ed. Giuseppe Abate, Miscellanea Francescana 39 (1939), 377.
25 Cronica, MGM Scriptores, XXXII, 359.
5
indicar um filho ilegÄtimo. De fato, o aÉougueiro freqëentemente substituÄa o carrasco, que tinha a missÑo de matar os recÅm-nascidos abandonados de noite na rua.
Quando Frederico II nasceu, Santa Clara mal tinha dois anos. Sua famÄlia era declaradamente gibelina e apoiava o imperador Barbaroxa, embora alguns de seus parentes tivessem sofrido abusos e violÖncias por parte dele.
Basta lembrar que o Marquez de Terni, chamado “Pequeno Papa”, porque em certo perÄodo ficou do lado do papa, teve que abandonar seus domÄnios por causa de algumas decisivas represÇlias contra ele pelo exÅrcito imperial. Quando se fez um acordo, sua filha ãnica, uma herdeira muito rica, casou se com o duque de Espoleto, Conrado, e o bebÖ Frederico II foi confiado a eles atÅ chegar aos trÖs anos.
Aleruzza descendia da famÄlia dos condes Castelli, e diretamente de Spentone, irmÑo de Taciperticone.
No sec. XIII, o exÅrcito de Frederico II, composto de tÇrtaros, Çrabes, e especialmente de ferozes capitÑes aventureiros, cercou Assis, O fato foi recordado pela IrmÑ Filipa:
“Quando Vital de Aversa, mandado pelo imperador com grande exÅrcito, veio sitiar a cidade de Assis, havia muito medo, conforme tinha sido referido a dona Clara, de que a cidade fosse tomada e enfrentasse perigos, pois Vital tinha dito que nÑo iria embora enquanto nÑo tomasse a cidade. Quando soube dessas coisas, a senhora, confiando no poder de Deus, fez chamar todas as IrmÑs e mandou trazer cinza, com a qual cobriu toda a sua cabeÉa, que tinha mandado raspar. E depois ela mesma pås cinza na cabeÉa de todas as IrmÑs e mandou que fossem todas rezar para que o Senhor libertasse a cidade. E assim foi feito, pois no dia seguinte, de noite, o referido Vital foi embora com todo o seu exÅrcito.” 26
Outro assalto de Vital de Aversa foi relatado no Processo pela IrmÑ Francisca de Col de Mezzo: “Tendo os sarracenos entrado no claustro do mosteiro, a senhora pediu que a carregassem atÅ a porta do refeitârio e pusessem diante dela uma caixinha onde estava o santo Sacramento do Corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo. Prostrou-se por terra em oraÉÑo e orou com lÇgrimas, dizendo estas palavras entre outras: “Senhor, guardai Vâs estas vossas servas, porque eu nÑo as posso guardar”. EntÑo a testemunha ouviu uma voz de maravilhosa suavidade, que dizia: “Eu te defenderei para sempre!”. EntÑo a senhora orou tambÅm pela cidade, dizendo: “Senhor, que vos apraza defender tambÅm esta vossa cidade”. A mesma voz soou: “A cidade sofrerÇ muitos perigos, mas serÇ defendida”. EntÑo a senhora se voltou para as IrmÑs e lhes disse: “NÑo fiquem com medo, porque eu sou a sua garantia de que nÑo vÑo passar nenhum mal, nem agora nem no futuro, enquanto se dispuserem a obedecer aos mandamentos de Deus”. Os sarracenos foram embora sem fazer mal ou causar prejuÄzo.” Esse milagre, como foi contado pela IrmÑ Francisca, deve ter acontecido no mÖs de setembro, numa sexta-feira, quase na hora de TerÉa, isto Å, por volta das nove horas da manhÑ. 27 A violÖncia dos combatentes, unida é ferocidade dos sarracenos, lembrou Santa Clara da rudeza de tantos cavaleiros armados em sua famÄlia, de quem ela tinha fugido.
Os assaltos dos sarracenos tiveram lugar em Assis entre 1240 e 1241, isto Å, um pouco mais de dois anos depois que Frei Elias, primeiro geral da Ordem Franciscana por vontade de SÑo Francisco, tinha abandonado Assis para sempre para seguir o imperador Frederico. Havia uma grande amizade entre Frei Elias e o Papa Gregârio IX; ambos estavam fortemente ligados é nobreza umbra dos condes Marsi e Castelli: de fato, Gregârio IX, como seu predecessor InocÖncio III, descendia dos condes de Segni, outro ramo dos condes de Marsi.
Esse relacionamento pode explicar a facilidade com que SÑo Francisco conseguiu a aprovaÉÑo de sua Regra em um tempo que era particularmente delicado pela questÑo do confronto com as heresias: deve ter sido por intervenÉÑo direta de Santa Clara, uma parente distante desses papas.
O movimento de Francisco de Assis cresceu a partir do mundo leigo com uma reforma um tanto ousada contra o poder temporal dos papas, pregando a renãncia de todos os desejos terrenos, a pobreza
26 Process, 3:19.
27 Ibid, 9:2.
6
e a recusa de toda ambiÉÑo e posses. Eram esses os princÄpios que tinham caracterizado os anteriores movimentos leigos, mais tarde severamente condenados pela Igreja como heresias.
A confianÉa que Santa Clara teve com Gregârio IX quando se recusou a obedecer-lhe, como vimos, foi a mesma que existiu entre Frei Elias e o papa.
Isso tambÅm pode explicar a rebeliÑo aberta e a falta de respeito demonstrada por Frei Elias quando se juntou aos exÅrcitos imperiais como um implacÇvel adversÇrio da Igreja de Roma.
As jovens senhoras que acompanharam Clara na Regra de pobreza pertenciam todas é alta nobreza umbra. Clara foi seguida por suas duas irmÑs, InÖs e Beatriz, por sua mÑe Hortolana, que era particularmente devota de SÑo Miguel Arcanjo, protetor dos condes Marsi Castelli, como fica claro pelo grande nãmero de igrejas dedicadas por eles ao Arcanjo.
Amata e Balbina, sobrinhas de Clara, tambÅm a seguiram na pobreza. Eram moÉas de excepcional graÉa que sofreram doenÉas longas e aborrecidas enfermidades por causa da extrema penitÖncia a que seu fÄsico nÑo estava preparado.
Mas, como se viu pelos depoimentos no Processo, suas doenÉas, devidas é falta de comida e ao frio, foram curadas pela milagrosa intervenÉÑo de Santa Clara.
Cristiana tambÅm seguiu a Santa. Era a filha do poderoso senhor Suppo de Bernardo, um nome que muitas vezes ocorre na famÄlia dos condes de Castelli. Cristiana tinha vivido com a famÄlia de Clara, e no Processo declarou o seguinte: “A testemunha (falando de si mesma) estava entÑo na casa e tinha estado com ela antes e conhecia tudo a respeito dela porque vivia com ela em Assis.”
Cristiana, evidentemente uma parente, fala a respeito da fuga de Clara de sua casa paterna: “Temendo que a impedissem, nÑo quis sair pela porta costumeira, mas foi por outra saÄda da casa que, para nÑo ser aberta, tinha sido escorada com troncos pesados e uma coluna de pedra, que sâ poderiam ser removidos com dificuldade por muitos homens. Mas, com a ajuda de Jesus Cristo, ela os removeu sozinha e abriu a porta. Ao verem a saÄda aberta, na manhÑ seguinte, muitos ficaram extra
ordinariamente maravilhados de como uma mocinha tivesse podido fazer isso”. 28 Cristiana tambÅm sabia o que tinha acontecido com a heranÉa de Clara:
“Quando Santa Clara vendeu sua heranÉa, os parentes quiseram dar um preÉo maior que todos os outros e ela nÑo quis vender a eles, mas vendeu a outros, para que os pobres nÑo fossem defraudados. E tudo que recebeu da venda da heranÉa, distribuiu-o aos pobres” 29
Outra parente de Clara, que tambÅm a seguiu em SÑo DamiÑo Å Ginevra, sobrinha do cånsul Tancredi, que tomou o nome de Benedita quando aceitou a Regra da Pobreza.
Ginevra e sua irmÑ EmÄlia deram toda a sua heranÉa para sua mÑe Alguisa. Ainda hoje, dÇ para encontrar uma pedra no fim da Via Perlici, em Assis, com o brasÑo de armas dessa famÄlia. í caracterizada por uma fortaleza, o sÄmbolo dos condes de Castelli.
Como se vÖ, as mulheres dessa casa, chamadas de “as senhoras pobres”, tinham altas pretensàes. Ginevra tornou-se abadessa do mosteiro quando a Santa morreu, e foi nessa qualidade, como lÄder do movimento franciscano feminino, que ela providenciou a construÉÑo da grande basÄlica dedicada a Santa Clara, fazendo uma troca com os cånegos da catedral. Os cånegos deram és Clarissas a igreja de SÑo Jorge, onde SÑo Francisco aprendera seus primeiros princÄpios religiosos e onde seus restos tinham descansado antes de ser transferidos para a basÄlica construÄda em por Frei Elias. Ginevra, ou melhor a IrmÑ Benedita, deu em troca aos cånegos uma igreja em Assis perto da Porta de San Gia
como, que seus ancestrais tinham cedido para a abadia de Farfa na regiÑo sabina.
TambÅm foi a IrmÑ Benedita que mandou pintar o grande crucifixo que ainda existe na BasÄlica de Santa Clara. Aos pÅs de Jesus na cruz, estÑo Francisco, Clara e Benedita, uma verdadeira consagraÉÑo ao Sangue derramado por Nosso Senhor para a redenÉÑo do mundo. E aÄ aparece a lembranÉa ainda viva dos estigmas de Francisco em seu misterioso encontro com o cÅu.
28 Ibid., 13:1.
29 Ibid., 13:11.
7
A atividade de Benedita, por sua intervenÉÑo decidida em todo o territârio que estava em poder dos condes de Marsi Castelli prova assim o poder dessa famÄlia em Assis e fora dela.
A filha de Opârtulo de Bernardo, que tinha sido podestÇ de Assis, tambÅm seguiu Clara em SÑo DamiÑo. Seu nome era InÖs, e ela informou no Processo: “que entÑo parecia que um grande esplendor estava ao redor da madre Santa Clara, nÑo como alguma coisa material, mas como um esplendor de estrelas.” 30
Essa multidÑo de juventude e de inocÖncia que se juntou a Clara sentiu o momento da mudanÉa histârica. A comuna italiana estava crescendo em todo o seu poder com novos homens vindos da classe comerciante, da burguesia novo-rica, do povo comum que entrava na vida da cidade com as artes e o comÅrcio.
Conseqëentemente, o sistema feudal, que tinha suas velhas raÄzes na nobreza dos cavaleiros, viu-se forÉada a defender-se e a reduzir suas bases um tanto isoladas ante o avanÉo do poder comunal. ContÄnuas batalhas, assaltos e guerras estavam dizimando as grandes famÄlias do passado, e suas novas geraÉàes, agora conscientes da atrocidade dessas batalhas sem soluÉÑo, compreendeu que a destruiÉÑo estava chegando. Era um mundo moribundo, estabelecido por tantos sÅculos de predomÄnio de casta, privilÅgio e combate armado. As casas da nobreza viviam agora continuamente tomadas pelas chamas; nÑo havia paz em lugar algum, e assim mesmo os homens continuavam a combater e a matarem-se uns aos outros. Precisava haver uma reaÉÑo para permitir uma pausa. Fugir desse mundo atormentado era uma soluÉÑo radical, especialmente desde que o seu propâsito era a reafirmaÉÑo entre os vivos daquela palavra que SÑo Francisco estava espalhando em nome de Jesus Cristo.
Clara era a portadora dessa nova luz. Veio para confirmar o desejo de tantas mulheres que, no passado, em nome da paz, seguiram o caminho da contemplaÉÑo e do amor de Deus. Depois de tantos sÅculos, parece que Helina, a serva de Deus, filha de seu antepassado Taciperticone, voltou viva em Clara, e o fervor inundou a nobreza antiga inteira. A famÄlia e os parentes de Clara, que compreendiam as mais notÇveis famÄlias da aristocracia europÅia, responderam com fervor ao exemplo franciscano, que se mostrava factÄvel atravÅs da mulher santa de Assis.
O primeiro mosteiro nÑo italiano das Clarissas surgiu na FranÉa, nas terras que tinham conhecido o poder dos condes de Marsi, entre outros lugares na cidade de Reims, que tinha testemunhado os empreendimentos de Ertemberto, conde de Vermandois.
Em 1219, a prâpria Clara confiou a missÑo a uma de suas parentes, a nobre Martia de Bray, dos condes da Picardia. No passado, o marquÖs da Ligãria, Braccio Malaspina, casara-se com OderÄsia, sobrinha do segundo conde de Marsi, Reinaldo, e de sua condessa Gervisa. Ela tambÅm era irmÑ do cardeal Oderisio, o famoso abade de Monte Cassino.
A igreja do mosteiro das monjas de Reims foi consagrada em 1237 e dedicada a Santa Isabel de Hungria, canonizada dois anos antes. 31
Isabel, viãva de seu jovem e amado marido, tinha dedicado a vida a ajudar pobres e doentes. Por sua extraordinÇria beleza e excepcional virtude, o imperador Frederico II tinha desejado tomÇ-la como esposa. A imagem dessa mulher ficou sempre em seu coraÉÑo. Escrevendo a Frei Elias em Assis, o imperador contou que tinha estado presente nas solenes exÅquias da rainha, que foram celebradas na Alemanha. Ele tinha acompanhado o fÅretro vestido de penitente, descalÉo e de coroa na cabeÉa. No ãltimo adeus, Frederico se aproximara dos restos mortais de Isabel e lhe colocara a coroa aos pÅs, dizendo: “Como eu nÑo te pude coroar na terra como minha imperatriz, quero, pelo menos, neste dia, coroar-te como rainha imortal do Reino de Deus.” 32
Para a igreja de Reims, Clara de Assis mandou um corporal bordado por ela mesma, juntando tambÅm um vÅu penitencial que ela tinha usado e o cordÑo com que cingira o seu corpo. Em Longchamp, nÑo longe de Paris, Isabel de FranÉa, uma irmÑ de SÑo LuÄs IX, fundou um mosteiro de
30 Ibid., 10:8.
31 Santa Chiara di Assisi: Studio e cronica del VIII Centenario, Assisi (1954), 379.
32 Fortini, Assisi nel medioevo (1939).
8
clarissas, e no mesmo ano, 1252, os condes de Flandres providenciaram a fundaÉÑo do mosteiro franciscano de Bruges.
Recordamos que anteriormente, durante a primeira Cruzada, o conde Reinaldo tinha se unido é nobreza de Flandres por causa de sua linhagem.
Em 1277, o conde de Blois, prÄncipe de Chatillon, fundou a abadia de La Guiche para abrigar as novas Clarissas; ele tivera um sonho premonitârio: um grupo de pastores lhe mostrava um arbusto em chamas em Loi e Cher, e nesse lugar surgiria a nova comunidade, baseada na Regra franciscana, onde uma imagem da Virgem haveria de fazer muitos milagres. Foi o que de fato aconteceu.
Retornam assim nomes e lugares que jÇ encontramos nos sucessos da antiga famÄlia de Santa Clara, como Chatillon, que era parte do territârio da Champanhe e de Vermandois.
Os angevinos, por sua vez, tambÅm seguiram com devoÉÑo a regra franciscana, e eles tambÅm estavam ligados por relacionamentos com os condes de Marsi: o filho de Fulk II, chamado Godofredo, tinha desposado Adele de Verman-dois, uma filha de Ertemberto II, que era da mesma nobre linhagem de Clara de Assis.
A mÑe de Isabel da Hungria tambÅm era dessa descendÖncia: ela era Gertrudes, dos condes Andechs-Meran, que governaram Veneza, Merano, Belluno e Treviso.
Foi em Bressanone que Isabel encontrou as “Senhoras Pobres” que seguiam Clara de Assis. Mas nÑo foram sâ as mulheres nobres que aceitaram a palavra renovadora de SÑo Francisco: o primo de Clara, Rufino, que era filho de CipiÑo de Ofreduccio de Bernardino, seguiu Francisco, que disse dele: “Sem duvidar, digo que ele Å um santo”. Rufino estava sempre tÑo absorto em que nem podia mais falar. Uma ordem suave de Francisco levou-o a pregar na catedral de Assis, que tinha o mesmo nome que ele em recordaÉÑo de SÑo Rufino, bispo-mÇrtir do sÅculo IV. As exortaÉàes feitas por Rufino de CipiÑo lÇ na catedral ainda existem: “Meus queridos, fujam do mundo e abandonem o pecado; faÉam restituiÉÑo se quiserem escapar do inferno; guardem os mandamentos de Deus, amando o prâximo se quiserem chegar ao cÅu. E faÉam penitÖncia se quiserem possuir o Reino dos CÅus.”
Outro poderoso senhor feudal de Assis, o conde Leonardo de Sassorosso, parente de Clara, seguiu Francisco em 1215; o Santo lhe haveria de dizer: “No mundo vocÖ foi mais nobre e mais poderoso do que eu”. De fato, Leonardo descendia de Alberico dos condes Castelli, um irmÑo de Rapizone II.
Seria muito longo fazer uma lista de todos os nobres, dos homens instruÄdos e dos famosos que Francisco recebeu em sua comunidade.
Frei Salimbene de Parma, referindo-se a Frei Elias, escreveu: “Um segundo defeito dele foi receber na Ordem muita gente inãtil”. Mais tarde acrescentou: “A gente via frades leigos iletrados usando tonsura, outros vivendo em sua prâpria cidade, trancados em eremitÅrios perto do convento dos frades. Outros ainda usavam longas barbas, parecendo gregos ou armÖnios; outros usavam cordàes, nÑo os comuns, mas feitos de fios tranÉados, e havia uma competiÉÑo para ver qual era mais bonito.”33
Depois da morte de SÑo Francisco, muitas coisas tinham mudado; nÑo se pode esquecer quanto apoio continuou a dar a velha aristocracia, da qual procedia Clara. Basta lembrar Frei Iluminato, que era da famÄlia dos condes Accarini, parentes prâximos de Hortolana, a mÑe de Santa Clara.
Com Francisco e Clara, a nobreza medieval deixou de lado todo luxo, abandonou as roupas decoradas com ouro, jâias, diademas, e finamente trabalhadas com enfeites de prata, para buscar a luz de Deus. Lembrando Santa Clara, TomÇs de Celano disse: “nobre de nascimento, mas mais nobre ainda pela graÉa,” e assim a exaltou numa prece: “Clara de nome, mais clara pela vida, clarÄssima pelo carÇter.” 34 Hoje, para nossa devoÉÑo e para nossa mais querida lembranÉa, ainda guardamos seu hÇbito surrado e seus cabelos loiros.
Fonte: Este artigo foi traduzido da Revista
Franciscan Studies, vol. 42, Annual XX, 1982, pp.48-67,
por Fr. JosÅ Carlos C. Pedroso, em marÉo de 1996.
33 Pp. 99, 102.
34 “Clara nomine, vita clarior, clarissima moribus.” Vita Prima S. Francisci 18 in Analecta Franciscana, X, 17.
9
Nenhum comentário:
Postar um comentário