16 de junnho - A festa de Corpus Christi e o LOC 2015

 A festa de Corpus Christi e o LOC 2015

Revdo. Dr. Luiz Coelho (DARJ)

A festa de Corpus Christi (em seu nome formal, Ação de Graças pelo Corpo e Sangue de nosso Senhor Jesus Cristo) é uma comemoração sui generis do calendário cristão. Primeiramente, não é universal. Claramente advém da Igreja Ocidental, tendo surgido já na Baixa Idade Média, no período filosófico-teológico conhecido como Escolástica. Além disso, é também peculiar por celebrar um conceito teológico (talvez o Domingo da Santíssima Trindade enquadre-se na mesma categoria), e não um evento da vida de Cristo, ou de um(a) santo(a) que deu testemunho de Cristo.

Sua implantação é fruto do trabalho da beata Juliana de Liège, que teve uma sucessão de visões sobre a necessidade de uma festa específica para glorificar o Santíssimo Sacramento da Santa Eucaristia. Tal comemoração ganhou força numa Europa Ocidental cada vez mais preocupada com a explicação teológica sobre a presença real de Cristo na Eucaristia. Coube então a São Tomás de Aquino, entre outros, propor ao Papa Urbano IV a instituição de tal festa para toda a Igreja Católica Romana. Tal decisão foi, paralelamente, influenciada pelo milagre de Bolsena, um dos vários milagres eucarísticos da época, geralmente relacionados à transformação de hóstias consagradas em carne e sangue. Numa época em que a comunhão dos fiéis era cada vez mais incomum cabendo aos mesmos, por medo e superstição, apenas mirar a hóstia e cálice elevados, a festa de Corpus Christi promoveu uma oportunidade máxima par excellence, para implementar tal contemplação como devoção extra-litúrgica. E aí surgiu a chamada Bênção do Santíssimo Sacramento, na qual uma hóstia consagrada é colocada numa peça especial chamada ostensório, para contemplação e orações do povo.

Essa explicação histórica é estranha aos ouvidos contemporâneos. Fala de um misticismo que não somente beira a idolatria, mas muitas vezes se confunde com ela. A festa foi uma das primeiras a ser cortada pelos reformadores anglicanos (os 39 artigos – hoje de valor meramente histórico – proibiam expressamente carregar o Sacramento em procissão) e, em sua forma original, atenta contra vários princípios do movimento litúrgico que não somente promoveu maior participação do povo como também comunhão frequente nas duas espécies. Entretanto, vem sendo gradualmente reincluída em calendários de várias províncias anglicanas, e, não por acaso, foi acrescentada ao calendário de nosso Livro de Oração Comum 2015, como uma comemoração.

Isso porque nem sempre uma festa litúrgica necessita ser atrelada ao seu significado original. O Domingo de Cristo Rei, por exemplo, foi instituído pelo Papa Pio XI como resposta ao

avanço do comunismo, mas acabou sendo ressignificado como um fechamento adequado ao ano litúrgico e incluído nos calendários ecumênicos das mais distintas igrejas.

De forma similar, a celebração de Corpus Christi nos provê uma excelente oportunidade para meditar quanto ao mistério da Santa Eucaristia, que para nós manifesta a presença real de Cristo, sem contudo adentrar por explicações escolásticas, como a transubstanciação. Em virtude disso, praticamente todos os livros de oração comum concebidos após o movimento litúrgico passaram a incluir um tema especial “da Santa Eucaristia” aos lecionários, com coleta e orações. Nosso LOC anterior já fazia tal previsão, e coube ao atual apenas adequar a mesma coleta e leituras especificamente sob a sugestão de comemoração “Ação de Graças dos Sacramentos do Corpo e Sangue de nosso Senhor Jesus Cristo”. E essa, por sinal, é a tônica das leituras e oração.

Uma das razões pelas quais Juliana de Liège e vários escolásticos advogaram pela festa foi essa, e essa razão ainda faz sentido nos nossos dias. Tradicionalmente, comemorava-se a instituição da Eucaristia, mistério sacramental do Cristo que se faz alimento, na Quinta-Feira Santa. Porém, tal data foi sendo cada vez mais acrescida de eventos litúrgicos, como o despojamento do altar, o lava-pés e a vigília junto ao altar de repouso, que enfatizavam a humildade do Servo, o sentimento de abandono e a traição do Cristo agonizante no Getsêmani. A comemoração da Eucaristia acabava por ser sóbria, na primeira parte da liturgia, e logo sobreposta por outras temáticas mais propensas à Semana Santa. É interessante, então, reservar outra quinta-feira do ano para marcar a importância do estabelecimento desse sacramento, naquela Quinta-Feira Santa. E assim, cabe à quinta-feira após o Domingo da Santíssima Trindade, manter o foco específico na bênção, dádiva e mistério que é a Santa Eucaristia!

Mas como celebrar essa data sem incorrer nos exageros e idolatrias do passado? Primeiramente, trazendo Jesus ao centro da mesma. A comemoração é uma extensão de duas outras festas relevantes: Pentecostes e Santíssima Trindade, formando um tríduo com ambas. Quem trabalhar a temática na liturgia e no sermão pode enfatizar que se tratam de maneiras distintas de relacionamentos com Deus Triuno: o Espírito Santo vem sobre a Igreja, que vive no poder da Santíssima Trindade, e celebra a Jesus Cristo na Eucaristia, orando ao Pai e invocando o Espírito Santo sobre os bens. Em segundo lugar, sob hipótese alguma cabe celebrar essa festa sem comunhão das pessoas fiéis. A mera contemplação do Sacramento não pode ser o elemento central do dia. Comungar é um ato profético e de ação de graças (significado literal da palavra Eucaristia). Comungar neste dia é a maior ação de graças que pode ser dada pelo Sacramento ofertado por Jesus, e simboliza a união de todas as pessoas que ali estão a celebrar, junto com quem preside.

E as devoções populares, como os tapetes, as orações diante do sacrário ou do ostensório? O Cristianismo nunca é desconexo da cultura, e certos elementos do catolicismo popular são fortes na memória afetiva do povo e comunicam a mensagem do Evangelho de formas muito mais belas e inesperadas que pessoas como nós, que fazemos teologia secundária, podemos entender. A devoção diante do Santíssimo Sacramento não é incompatível com a tradição anglicana e em muitas partes de nossa comunhão (inclusive aqui no Brasil) é feita. Mas é importante que a mesma não tome a primazia da comunhão. A procissão sobre tapetes e as orações diante do sacramento necessitam ser dirigidas como o que são: devoções extralitúrgicas de proclamação do Evangelho, sem contudo substituir a recepção do sacramento que nos é alimento para a jornada.

É importante lembrar que a devoção eucarística é a terceira, e menos importante razão pela qual preservamos o sacramento. A primeira é para comunhão das pessoas enfermas, e a segunda é para comunhão das pessoas ausentes em comunidades sem presbítero(a). Nesses casos, a comunhão celebrada pelo povo de uma comunidade é ofertada a outras pessoas como hospitalidade eucarística. As orações diante do sacramento são meramente uma devoção pessoal, e assim devem ser. Uma sugestão então é celebrar a Santa Comunhão com toda a pompa e gratidão possível, e, ao final desta, se desejável, proceder às devoções extralitúrgicas opcionais, como procissão e orações diante do Sacramento, que não necessariamente precisa estar num ostensório, podendo estar no próprio cibório ou dentro do sacrário. Há várias orações do próprio LOC que podem ser usadas pelas pessoas que sentirem como edificante tal devoção. Fica a sugestão das páginas 509, 510 e 511.

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